Mercado frustrado com medidas de corte de gastos anunciadas pela equipe econômica
O mercado se frustrou com as medidas de corte de gastos anunciadas pela equipe econômica nesta quinta-feira (28), mas, diante da forte resistência dentro do próprio governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o pacote fiscal “não foi tão ruim assim”. A avaliação é de Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria, que conversou com a reportagem do InfoMoney após as medidas terem sido detalhadas.
Segundo o economista, que comandou a pasta entre 1988 e 1990, durante o governo de José Sarney, quem esperava muito mais do que aquilo que foi anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), “é politicamente ingênuo”.
“É sempre bom lembrar que estamos diante de um governo cujo DNA favorece a ideia de que o que impulsiona a economia do país é o gasto. É a tese do ‘gasto é vida’”, afirmou Maílson. “Agora, como o mercado esperava algo muito profundo, com ataque a gastos obrigatórios e tudo mais, houve uma grande decepção. Realmente, R$ 30 bilhões por ano é quase nada”, observou.
O Brasil e a crise fiscal
Para o ex-ministro da Fazenda, o Brasil tem um encontro marcado com uma grave crise fiscal caso o governo federal não combata a explosão dos chamados gastos obrigatórios – como saúde, educação, pessoal, Previdência, fundos constitucionais e programas sociais –, o que não foi contemplado no pacote fiscal.
“Nós caminhamos firmemente para um colapso fiscal em algum momento, se não for atacado o gasto obrigatório. As medidas que afetam o gasto obrigatório são muito tímidas, embora na direção correta. O máximo que o governo pode esperar hoje é que esse pacote dê uma sobrevida ao arcabouço fiscal até 2026”, projeta o economista.
Isenção do Imposto de Renda
Para analistas, anúncio da isenção do Imposto de Renda de quem recebe até R$ 5 mil, de forma concomitante com as medidas de corte de gastos, passou sinal ruim para o mercado, enfraquecendo o pacote
Leia os principais trechos da entrevista concedida pelo ex-ministro Maílson da Nóbrega ao InfoMoney:
Avaliação das medidas anunciadas
InfoMoney: Em linhas gerais, qual é a sua avaliação sobre o pacote fiscal anunciado pelo ministro Fernando Haddad, que projeta uma economia de R$ 70 bilhões nos próximos 2 anos? É razoável ou ficou aquém do esperado?
Maílson da Nóbrega: Quem esperava mais do que isso é politicamente ingênuo. É sempre bom lembrar que estamos diante de um governo cujo DNA favorece a ideia de que o que impulsiona a economia do país é o gasto. É a tese do ‘gasto é vida’. É um governo que acredita que o Brasil deve continuar dando ganho real de salário para aposentados. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Ganho real de salário é para trabalhador da ativa!
Este ponto é o mais importante quando se trata de aumento de gasto neste governo. As estimativas do aumento de gasto previdenciário por causa da concessão de ganhos reais do salário é de R$ 1,3 trilhão, segundo a ministra Simone Tebet. Isso significa, grosso modo, que o Brasil está gastando em Previdência mais de R$ 80 bilhões a R$ 100 bilhões por mês. E o pacote é de R$ 30 bilhões por ano. Ou seja, o pacote não gera nenhum alívio em relação ao aumento de gastos implementados pelo terceiro governo Lula.
Pontos positivos
IM: O senhor vê pontos positivos entre as medidas anunciadas?
MN: Enfrentar a questão dos supersalários, por exemplo, entendo que vai na direção correta. Essa é uma situação vergonhosa no país. É inaceitável o grau de privilégios concentrados, basicamente, no Judiciário e no Ministério Público. A coisa mais comum, hoje, no Brasil, mesmo em estados pobres, é o juiz ganhar R$ 100 mil por mês, quando o teto é R$ 41 mil.
Isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil
IM: O governo vai isentar do Imposto de Renda, a partir de 2026, os contribuintes que recebem até R$ 5 mil mensais. Esta era uma promessa de campanha do presidente Lula, mas o mercado não recebeu bem a medida. Como o senhor avalia a isenção? Foi o momento certo para esse tipo de anúncio?
MN: Acho que tem uma lógica para isso, que justifica uma revisão. Com os atrasos de reajuste das tabelas do IR ao longo do tempo, cada vez mais pessoas de renda média baixa começaram a pagar IR. Se você imaginar que quem ganha 2 salários mínimos pode pagar IR… Isso não tem nenhum sentido. O problema foi: por que fazer agora, no momento em que a situação fiscal é tão difícil? Aí depende de uma tributação maior dos mais ricos.
Taxação de lucros e dividendos
IM: Como forma de compensação ao aumento das despesas por causa da ampliação da faixa de isenção do IR, o governo propôs a taxação de lucros e dividendos superiores a R$ 50 mil por mês, que hoje estão isentos. O que achou dessa medida?
MN: Hoje temos uma grande discussão sobre tributar os super-ricos. É um debate relevante, mas que pode ser visto sob dois ângulos. No mundo, essa discussão nos países ricos caminhou no sentido de eliminar, de alguma forma, os benefícios tributários que levam os mais ricos a pagarem, proporcionalmente, menos IR do que os mais pobres. Acho que é algo que tem muita lógica de justiça tributária. A outra proposta defendida por alguns é tributar grandes fortunas. É uma coisa que até tem certo apelo, mas onde isso foi feito, se desistiu mais tarde. Mais de 30 países criaram o imposto sobre grandes fortunas e hoje não tem nem cinco que ainda estão cobrando. Mas o PT adora essa ideia porque é aquela coisa de ‘síndrome de Robin Hood’.
Crise fiscal no Brasil
IM: O senhor tem alertado sobre o risco de uma crise fiscal no país caso o governo não controle os gastos obrigatórios. Diante da resistência do presidente Lula em atacar essa questão, pode-se dizer que o Brasil já está contratando uma crise fiscal no futuro próximo?
MN: O Brasil já contratou essa crise há muito tempo. Nós caminhamos firmemente para um colapso fiscal em algum momento, se não for atacado o gasto obrigatório. As medidas que afetam o gasto obrigatório são muito tímidas, embora na direção correta. O máximo que o governo pode esperar hoje é que esse pacote dê uma sobrevida ao arcabouço fiscal até 2026. Se você olhar esses colapsos de expectativa, em todo o mundo, não têm hora para acontecer. É uma fagulha que leva a isso. Antes da crise financeira de 2008, todo mundo estava alertando para aquele negócio de financiar subprime, mas os bancos estavam ganhando dinheiro, os bônus eram maravilhosos, e todo mundo continuou. Até que, um dia, quebrou o banco Lehman Brothers, que tinha uma carteira hipotecária insustentável. Então, veio o colapso. Ninguém sabe se ou quando isso pode acontecer. E pode acontecer ainda no governo Lula. Se os mercados continuarem com essa visão de que o pacote não presta, que o pacote decepcionou, e o governo não consiga adicionar alguns elementos de confiança.
O que o governo poderia fazer?
MN: Acho que não custaria nada, a não ser em termos de popularidade, acabar com esse negócio de vincular salário mínimo à aposentadoria. Seria importante para o país. Ganho real é para quem trabalha. E vivemos em um país em que mais da metade do gasto primário do governo federal é de natureza previdenciária. Isso é um desastre para o Brasil. A solução que a equipe econômica deu não é boa. O avanço do salário mínimo vai ser compatível com o arcabouço fiscal – só pode crescer 2,5%. Só que 2,5% pode ser muito se o país estiver crescendo 1%, por exemplo. Em segundo lugar, você não pode estabelecer uma regra de reajuste salarial baseada em um índice fiscal. Tem que ser de acordo com a produtividade. Nos anos em que a economia crescer menos de 2,5%, isso vai agravar o problema previdenciário. Foi um remendo que eles deram para ficar em um meio termo entre a ideia correta, que seria acabar com a vinculação, e a ideia incorreta, que seria mantê-la. É um remendo que não faz muito sentido.
Resistência interna do governo
IM: Desde o início das discussões sobre corte de gastos do governo, o pacote sofreu forte resistência interna e recebeu críticas públicas de outros ministros. A decisão do presidente Lula de anunciar a isenção do IR até R$ 5 mil, para minimizar o impacto político e social eventualmente negativo de um corte de gastos, acaba sendo uma derrota do ministro Fernando Haddad? Ele sai fortalecido ou enfraquecido desse processo?
MN: Isso vai depender muito de como as pessoas interpretam. Eu não vejo o ministro Fernando Haddad perdendo força dentro do governo. Ele pode até se decepcionar um dia e pedir o boné, mas acho que ele tem uma posição tal no PT, e perante Lula, que dificilmente ficará enfraquecido. Ele pode ser visto como enfraquecido aos olhos do mercado, por não ter conseguido o apoio do presidente para as medidas de que o país precisava para evitar um colapso fiscal. Nesse sentido, ele realmente perdeu. Mas, se você considerar o ambiente em que ele opera, a cultura do PT, o modo equivocado como Lula pensa a economia, não acredito que o ministro Haddad esteja enfraquecido. Esse padrão mental do PT e do Lula, que talvez tenha sido abraçado várias vezes pelo próprio ministro, complica a situação. Um ponto importante é que tanto Haddad quanto a ministra Simone Tebet entenderam o problema. O Brasil tem um problema sério de gasto estrutural que não permite estabilizar, e muito menos reduzir, a relação dívida-PIB. Essa relação tende a continuar crescendo, infelizmente.
Júlio Rossato