Governo Federal lança nova linha de crédito consignado com FGTS
O governo federal pretende disponibilizar até R$ 100 bilhões para uma nova linha de crédito consignado, desta vez utilizando o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia. A proposta promete oferecer juros mais baixos e um processo mais simples para 47 milhões de trabalhadores com carteira assinada — mas especialistas alertam que a novidade pode trazer riscos.
Somente entre sexta-feira (21) e terça-feira (25), 48.170 contratos foram firmados entre trabalhadores e bancos, superando a marca de R$ 340 milhões em concessões. Segundo dados da Dataprev, repassados ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o valor médio foi de R$ 7.065,14 por trabalhador, com parcela média de R$ 333,88 e prazo médio de pagamento de 21 meses.
Entre os principais atrativos dessa modalidade de crédito, já chamada de “consignado do CLT”, estão a praticidade e o custo reduzido. Isso porque o processo ocorre de forma digital, por meio da Carteira Digital do Trabalhador, na qual ele pode dar o aceite e receber propostas das instituições financeiras.
Outro fator relevante é a possibilidade de portabilidade da dívida a partir de abril. Isso significa que quem tem um empréstimo mais caro poderá migrar para essa nova linha de consignado, reduzindo os custos com juros.
Apesar dos benefícios, a adesão ao consignado com FGTS exige cautela. Segundo a economista Carla Beni, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e conselheira do Corecon-SP, o fundo de garantia funciona como um “colchão financeiro” para o trabalhador, sendo essencial em momentos como demissão sem justa causa.
Utilizá-lo como garantia pode comprometer esse recurso e gerar dificuldades futuras. “Muitos trabalhadores não consideram a possibilidade de demissão ao contratar um empréstimo”, alerta a economista.
O risco de comprometimento do FGTS já foi observado no saque-aniversário, quando milhões de brasileiros tiveram dificuldades para acessar valores disponíveis devido a empréstimos anteriores. Além disso, os trabalhadores podem comprometer até 35% do salário bruto com crédito consignado, o que pode ser problemático para quem já enfrenta dificuldades financeiras.
“Se o objetivo do governo é permitir que os brasileiros troquem dívidas caras pelo consignado, pode ser positivo. Mas, caso esse crédito seja usado para despesas do dia a dia, então há um risco de superendividamento.”
Outro ponto de atenção é o uso recorrente do consignado, que especialistas apontam como a última alternativa de crédito, geralmente quando outras linhas estão indisponíveis devido ao endividamento.
Como os prazos podem chegar a 60 meses, muitos acabam refinanciando suas dívidas antes mesmo de quitá-las, entrando em um ciclo de endividamento.
Quem está interessado nesse tipo de empréstimo deve se atentar às taxas. Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos, lembra que os juros podem variar mais, dependendo do perfil do trabalhador. “A mudança nas regras dispensou a necessidade de convênio entre empresas e instituições financeiras, reduzindo o risco para os bancos [tornando o crédito mais barato].”
Segundo o MTE, as taxas de juros do consignado com FGTS devem ser menores que as de outras formas de crédito. Enquanto um empréstimo pessoal tradicional pode chegar a 5,93% ao mês, e o cheque especial a 7,38% ao mês, a nova modalidade promete manter um patamar próximo ao do consignado de servidores públicos e aposentados, que varia entre 1,75% e 1,82% ao mês.
No entanto, ao contrário de outras linhas de consignado, essa nova modalidade não tem um teto. Ou seja, caberá aos próprios bancos, considerando diferentes variáveis financeiras do trabalhador, definir a taxa aplicada. Vale lembrar que, segundo dados do Banco Central, o juro médio do consignado ao setor privado foi de 2,92% ao mês em janeiro.
Para Patzlaff, vale a pena considerar o consignado em caso de necessidade urgente de crédito, especialmente quando as outras opções disponíveis apresentam taxas mais altas. A pedido do InfoMoney, o planejador financeiro simulou três valores de empréstimo com três prazos de pagamentos.
A taxa escolhida na simulação foi de 3,5% ao mês, acima do consignado de servidores públicos e aposentados, pensando na hipótese de o trabalhador ter maiores restrições de crédito.
Patzlaff frisa que, para quem já está fazendo simulações do consignado no app da Carteira de Trabalho Digital, e está interessado em contratar essa linha, é importante avaliar se o desconto mensal da parcela não compromete o orçamento como um todo.
“Como o desconto é feito diretamente na folha de pagamento, o trabalhador pode perder parte da flexibilidade no orçamento — o que pode se tornar um problema em caso de imprevistos futuros, como uma demissão.”
Para Carla Beni, uma solução para evitar problemas de inadimplência, devido a essa nova linha de crédito, seria a implementação da educação financeira. No programa Desenrola, voltado para a renegociação de dívidas, foi exigido um curso sobre o tema, que poderia também ser adotado na Carteira Digital.
“A chave está no equilíbrio entre o acesso ao crédito e a responsabilidade financeira. Sem planejamento, o consignado pode se tornar mais um problema para o trabalhador brasileiro”, afirma a economista.
Júlio Rossato